
Justiça Climática: Conceito, Pilares e sua Importância para os Direitos Humanos
por Marina Macedo, diretora Descomplicando Clima
27 de março de 2025
A Justiça Climática é um conceito central nas discussões contemporâneas sobre mudanças climáticas, pois destaca a conexão direta entre as mudanças no clima e as desigualdades sociais, econômicas e políticas. Ela não se limita apenas a questões ambientais, mas também envolve a proteção dos direitos humanos, a distribuição equitativa dos benefícios e dos custos das ações climáticas e a promoção da participação ativa das populações mais vulneráveis na tomada de decisões.
O que é Justiça Climática?
A Justiça Climática surge da necessidade de reconhecer que as mudanças climáticas afetam desigualmente diferentes grupos sociais. Em termos simples, ela busca garantir que as ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas sejam justas, equitativas e inclusivas, levando em consideração as condições históricas e socioeconômicas de cada grupo.
Um exemplo claro dessa desigualdade é que os países mais pobres, muitas vezes os menos responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, são também os mais afetados por eventos climáticos extremos, como secas, inundações e furacões. Já os países mais industrializados, responsáveis por grande parte das emissões históricas, são os que mais têm capacidade financeira e tecnológica para lidar com os impactos.
A ONU tem reforçado, por meio de sua Agenda 2030, que a mudança climática é um problema global que exige soluções coletivas, baseadas no princípio da equidade, da solidariedade e do respeito aos direitos humanos. A OEA, em seus relatórios, também destaca o impacto das mudanças climáticas sobre os direitos fundamentais dos cidadãos na América Latina e Caribe, alertando para o risco de que populações já vulneráveis possam sofrer mais devido à inação sobre o clima (CIDH/OEA, 2021).
Pilares da Justiça Climática
A Justiça Climática é construída sobre quatro pilares fundamentais: Equidade, Responsabilidade, Participação e Direitos Humanos.
1. Equidade
O primeiro pilar da Justiça Climática é a equidade, que trata da distribuição justa dos impactos climáticos e das responsabilidades de mitigação. As populações que mais sofrem com as consequências das mudanças climáticas são as menos responsáveis por elas, e a Justiça Climática propõe uma compensação por essa disparidade.
Por exemplo, as comunidades indígenas da Amazônia, que têm sua existência diretamente ligada ao meio ambiente, são algumas das mais afetadas pela destruição da floresta, mesmo sendo as que menos contribuem para as emissões de carbono. Da mesma forma, países do Sul Global, como muitas nações africanas, são particularmente vulneráveis a desastres naturais exacerbados pelas mudanças climáticas, embora suas emissões sejam mínimas.
2. Responsabilidade
O conceito de responsabilidade implica que aqueles que mais contribuíram para a crise climática — principalmente os países desenvolvidos — devem assumir uma maior responsabilidade na mitigação dos impactos e no financiamento das soluções. Esse princípio está alinhado com a ideia de "responsabilidade histórica", que reconhece que as nações industrializadas têm uma longa trajetória de emissões de gases de efeito estufa.
Em 2021, durante a COP26, foi discutido que os países ricos deveriam cumprir a promessa de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para apoiar os países em desenvolvimento na adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Até o momento, o cumprimento dessa meta tem sido lento e incompleto, o que tem gerado críticas por parte de países do Sul Global.
3. Participação
A participação é um pilar fundamental da Justiça Climática. Significa que as comunidades afetadas pelas mudanças climáticas devem ser ativamente incluídas nos processos de tomada de decisão sobre políticas climáticas. Isso garante que as soluções sejam adequadas às realidades locais e que as populações afetadas possam influenciar as ações que impactam diretamente suas vidas.
Por exemplo, o Brasil tem testemunhado a crescente participação das comunidades quilombolas e indígenas na formulação de políticas ambientais. O reconhecimento das vozes dessas comunidades na proteção da Amazônia e na promoção de soluções de adaptação climática é um exemplo concreto de como a participação fortalece a Justiça Climática.
4. Direitos Humanos
Por fim, a Justiça Climática está diretamente ligada aos direitos humanos. A crise climática ameaça direitos fundamentais como o direito à vida, à saúde, à moradia e ao trabalho. Em sua Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ONU reconhece que todas as pessoas têm direito a um ambiente saudável e sustentável.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil reconheceu a emergência climática no país e determinou a retomada de medidas essenciais para a proteção do meio ambiente, como a execução do Fundo Clima. Essa decisão histórica reitera que o direito a um meio ambiente equilibrado é um direito constitucionalmente protegido, essencial para a garantia de outros direitos humanos.
Exemplos e Iniciativas sobre Justiça Climática
ONU
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem um papel crucial na promoção da Justiça Climática. Através do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e da implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a ONU busca alinhar políticas climáticas com a proteção dos direitos humanos e a promoção de um futuro mais equitativo. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 13 (Ação contra a mudança global do clima) é um exemplo disso, pois enfatiza a importância de reduzir os impactos das mudanças climáticas sobre as populações vulneráveis.
OEA
A Organização dos Estados Americanos (OEA) tem documentado o impacto das mudanças climáticas sobre os direitos humanos nas Américas. Em seu relatório de 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) alertou para a necessidade urgente de uma resposta mais forte às consequências da crise climática, especialmente em países da América Latina e Caribe, que enfrentam desastres climáticos com alta vulnerabilidade social e econômica.
STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) também tem se posicionado sobre a questão climática, especialmente em relação à proteção dos direitos das gerações futuras. A decisão na ADPF 708 (2022) foi um marco ao reconhecer o direito constitucional das futuras gerações a um ambiente equilibrado e saudável. A ação determinou que o Brasil deveria intensificar seus esforços para combater as mudanças climáticas e assegurar a implementação de políticas ambientais eficazes.
Conclusão
A Justiça Climática é essencial para garantir que os direitos humanos sejam respeitados e que as desigualdades sejam enfrentadas na luta contra as mudanças climáticas. Com um mundo cada vez mais afetado por desastres climáticos, é fundamental que tomemos decisões políticas e sociais que considerem as diferentes realidades das populações mais vulneráveis.
Os pilares da Justiça Climática — equidade, responsabilidade, participação e direitos humanos — devem orientar a formulação de políticas públicas e ações globais. A colaboração internacional e o cumprimento de compromissos financeiros e de mitigação são passos cruciais para avançarmos na criação de um mundo mais justo e sustentável para todos.
Referências:
IPCC. AR6 Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability.
ONU. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
CIDH/OEA. Relatório sobre Mudanças Climáticas e Direitos Humanos nas Américas, 2021.
STF. ADPF 708 (2022). Supremo Tribunal Federal.